Fading
“Fading” é uma exposição sobre a memória, o desaparecimento e a perda.
Trata-se de um conjunto de fotografias de animais selvagens no seu habitat natural, tiradas ao longo de 12 anos em 14 países como Cuba, Brasil, Quénia, México, Canadá, Zimbabué, Botswana, EUA, Argentina, Indonésia, Maldivas, Equador (Galápagos), Colômbia e Sri Lanka. São fotografias a preto e branco, de 110X146 cm, com uma elipse preta esbatida à volta de uma imagem central, que alude a um processo cinematográfico de desaparecimento da imagem, designado por fading.
São fotografias que guardam a memória de vultos, de corpos, de cheiros, de horizontes, de espectros de luz, de contrastes e de experiências emotivas de múltiplos encontros com animais selvagens, tão diversos, mas também tão próximos de nós humanos na biologia, no comportamento, nas expressões, nos olhares e no nosso destino comum. São seres que veêm os seus habitats a encolher e a desaparecer de forma dramática, pela desflorestação, pela caça, pelas culturas, pela criação de gado, pela sobrepopulação humana e pelas alterações climáticas. Desde a revolução industrial, as atividades humanas têm destruído e degradado florestas, pastagens, pântanos e outros ecossistemas importantes. Este rápido desaparecimento de ecossistemas tão frágeis faz com que estes seres estejam a extinguir-se: os últimos 50 anos, houve uma diminuição média de 70% na população de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes (WWF, Living Planet Report 2020). A extinção destes animais anuncia a possibilidade de extinção da nossa própria espécie.
Esta exposição será complementada com um vídeo, também a preto e branco, onde o bailado subaquático de um leão marinho, em câmara lenta, será intercalado com dados sobre a quantificação e a velocidade desta extinção.
O processo de captura destas imagens envolve uma contradição, porque o turismo em zonas selvagens contribui, em si mesmo, para este processo de destruição, mas esse facto é algo que tem que ser assumido e esta exposição é uma indelével redenção dessa consequência.
O tema da perda é recorrente no meu trabalho. Foi assim na série “Empty Cities” (1983) ─ que pretendia encenar uma cidade pós-humana ─ na exposição “Transurbana” (1994) que se focava na perda da sensação de pertença a um lugar a que as cidades actuais condenam muitos dos seus habitantes ─, assim como no trabalho “A Última visão dos heróis” (1995) ─ que encenava a última imagem que alguns heróis, que deram a sua vida por causas, terão visto imediatamente antes de morrerem. Também o vídeo e as fotografias do “Futuro imperfeito” (2000) pretendiam encenar o envelhecimento do meu rosto e assim a morte a acontecer quando nos olhamos ao espelho. As séries “Aldeia da Luz” e “Memória de Água”(2002) aludiam à perda da memória dos pequenos sítios, da identidade dos lugares, das pessoas, dos usos e costumes, perda que se acentua lentamente, mas que é ainda mais brutal quando é decidida a prazo, como foi o afundamento da Aldeia da Luz.
“Fading” não são fotografias de natureza, não sou um fotógrafo de natureza ─ sou um artista que usa a fotografia e o vídeo para comunicar com os outros, atingir o espectador no punctum, de que falava Roland Barthes, dar a ver o que é invisível, transportar o espectador “através de fronteiras ou para zonas interditas”, no sentido de um “passador”, na acepção de Michel Certeau.
Estas fotografias não são representações de animais, são uma reinterpretação de imagens fugazes, de memórias em evanescência, de um mundo em desaparecimento, que é o nosso.
Estas imagens são um ritual de separação, um grito de dor perdido num coro imenso, que pretende acordar as pessoas para lutarem contra estas ameaças que pairam sobre o nosso futuro e sobre o futuro das gerações vindouras.