A deslocação do ponto de vista para um nível muito mais baixo permite aproximar alguns elementos da paisagem urbana e afastar outros.
Ao nível do olhar ficam o chão, os detritos, os sacos de lixo, os animais esmagados pelos carros, as ervas que ladeiam os trilhos, os sapatos das pessoas, os pneus dos carros, os sem-abrigo nas ombreiras das portas, os outros cães, os gatos, as crianças, os olhos das pessoas quando se debruçam sobre os cães.
Mais longe ficam os objectos que passam a ser observados em contra-picado: as pessoas, as mãos das pessoas quando estão em pé, os rostos das pessoas, as árvores, as cercas, os muros, os prédios, as mesas, os faróis dos carros.
A deslocação do olhar traz sempre uma nova perspectiva sobre a paisagem, que é óptica mas também estética.
Os trilhos percorridos pelos cães tornam visíveis novos percursos, descobertas inesperadas, encontros improváveis, espaços intersticiais que desembocam em novas perspectivas de locais conhecidos.
A cidade, como objecto dessa deslocação é uma terra de ninguém, de cães, gatos e ratos, cruzada por pessoas que perderam o sentimento de pertença a um lugar ou sobreviventes que teimam em manter pequenas hortas insuspeitadas, interrompida por baldios onde pontificam lixeiras e casas abandonadas, sulcada por fragas de vazio, dividida em guetos, saturada por cimento, coberta por asfalto onde jazem as memórias contemporâneas das nossas vivências diárias, onde habitam os cilindrados pela vida, onde caiem os que não tiveram sorte e onde se erguem os novos símbolos do poder.
Dog`s City é apenas isso, uma cidade vista por um cão.